Há mais de 30 anos o seriado “Chaves” encanta os espectadores brasileiros – egarante boa audiência ao canal SBT – por isso, natural que teorias conspiratórias sobre a trama e os personagens surjam ao longo dos anos.
Mas nenhuma delas soa tão intrigante como a possibilidade da série de Roberto Bolaños ser reflexo dos 7 pecados capitais. Quem a sustenta é o professor pós-doutorado de História Ademir Luiz
O cenário é um labirinto rizomático, sem centro, começo nem fim. Saindo da vila caem em uma rua estreita que leva a um pequeno parque, um restaurante e uma apertada sala de aula. As variações, como Acapulco, são exceções que confirmam a regra. O universo dos personagens se resume a esse espaço claustrofóbico, onde um ambiente leva a outro que leva a outro que leva a outro, indefinidamente.
Os pecados que cometeram em vida transparecem em suas características, medos e frustrações. Chaves, o Moleque Chaves, sempre faminto, cometia o pecado da gula. Glutão inveterado, sua preferência por sanduiche de presunto indica desprezo pelas leis de Deus, que proibiu o consumo de porco, esse animal sujo e de pé fendido. Inimigo de qualquer autoridade moral, apelidou seu professor de “Mestre Linguiça”, outra referência a malfadada iguaria suína.
Seu Madruga, que têm muito trabalho para continuar sem trabalhar, cometia o pecado da preguiça. Exigem redobrados esforços suas estratégias de fuga, para não pagar os indefectíveis 14 meses de aluguel. Que nunca se tornam 15 meses, denotando que a passagem do tempo está suspensa. Não é necessário lembrar que 7 + 7 é igual a 14 e que, na tradição crística, 70 x 07 simboliza o infinito. Da mesma forma que o 8, o símbolo de adição deitado torna-se o de multiplicação. Deus mora nos detalhes.
A ganância de Seu Barriga é óbvia. Quem mais cobraria o aluguel mensal praticamente todos os dias? Os golpes que o Moleque lhe aplica sempre que chega a vila faz parte de sua punição. O fato de possuir como veículo uma Brasília amarela liga-o imediatamente ao país Brasil, indicando que em vida deve ter se envolvido em escândalos de corrupção. Terry Gilliam não escolhe títulos ao acaso.
O pequeno marinheiro Quico, o menino mais rico da vila, é movido pela inveja. Sempre que vê um de seus pobres vizinhos se divertindo com um surrado brinquedo, cobiça aquela alegria simplória e vai buscar um dos seus, sempre maior e melhor, mas que nunca lhe dá satisfação. O brinquedo do outro, mesmo sendo obviamente inferior, sempre lhe parece mais interessante. Um círculo vicioso de inveja, jamais saciada.
Chiquinha é marcada pela personalidade intolerante, raivosa. Imitando o Pateta, usava o automóvel como uma arma potencializadora de sua ira. Morrendo em uma briga de trânsito, na vila, tenta fazer o mesmo com o triciclo. Não foram poucas as vezes que atropelou pés e brinquedos. Mas a musa que canta a ira do poderoso Aquiles não se ocupa da ira insignificante de Francisquinha. Sendo a menor e fisicamente mais fraca da vila, só lhe resta chorar, chorar e chorar.
Dona Florinda e o Professor Girafales foram libertinos do porte do Marquês de Sade e Messalina (ou os próprios). Mestres na arte da luxúria, acabaram condenados a eternidade de abstinência sexual. Frigida e impotente, a mente almeja, mas o corpo não acompanha. Consomem infindáveis xícaras de café que, com propriedades estimulantes, alimentam ainda mais o fogo que não podem debelar. O professor Girafales fuma em sala de aula não porque “El Chavo Del Ocho” foi gravado antes da praga politicamente correta, mas devido ao fato dele ser portador do célebre cacoete pós-coito de acender um cigarro, fazer um aro de fumaça no ar e perguntar “foi bom para você?”. Incapaz de cumprir a primeira parte do ritual erótico, involuntariamente reproduz a segunda. Não por acaso, a trilha sonoro de seus encontros é a mesma de “… E o Vento Levou”. A frase final do filme é “amanhã será outro dia”. Na vila, sempre haverá outro dia e outra xícara de café.
Dona Clotilde, a bruxa do 71, padecia de extrema vaidade. O gênio de Bolaños teve a sutileza de convidar uma ex-miss, a espanhola Angelines Fernández, para interpretar a personagem. Novamente o signo de uma condenação eterna aparece: 71 nada mais é do que 7+1=8. O animal de estimação de Dona Clotilde, significativamente chamado de Satanás, chama atenção para outro elemento importante. A presença de diversos demônios errantes na vila. Trata-se de uma besta transmorfa. Em alguns episódios satanás é um gato, em outros um cão. Diferente do paradoxo do coelho-pato de Jastrow, Wittgenstein e Thomas Kuhn, que servia ao desenvolvimento da razão, o gato-cão é uma representação do misticismo, o cão em “pessoa”.
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